
Família é fogo!
Março, 2018
Diversos teóricos tentaram criar uma definição de família, porém não conseguiram chegar a um conceito único. Algumas características e parâmetros foram instituídos baseando-se nos dados levantados por diversas áreas de estudo. Fundamentando-nos nas concepções de Foley no livro, Introdução a Terapia Familiar, e delimitamos família como a união de pessoas através de laços afetivos regulados por uma interdição de natureza sexual. Estabelecida culturalmente com o propósito de ser a célula básica da organização social, sua existência é mantida e assegurada por uma ideologia que ela propaga e sofre, alterando-se a partir das mudanças nas ligações, mas permanecendo imutável em sua estrutura. Possui um papel de referência primeira de comportamento e associações na vida dos indivíduos que lhe permite a transmissão de valores culturais e desenvolvimento da maturidade emocional através de uma economia afetiva promotora da negociação do amor e coisas materiais que incitam a transferência estruturante das relações interpessoais.
De acordo com a Teoria Sistêmica de Bertalanffy, os sistemas são um conjunto de elementos relacionados entre si e entre seus atributos realizando trocas com o meio ou auto-reguladores, que fazem parte de todos os campos da ciência. Partindo desta teoria, a família também é um sistema e, como todos os outros, tem como principais propriedades a globalidade: interação entre os elementos criando uma coesão tal que os estímulos sofridos por um afeta todos os outros tornando impossível o estudo de seus fenômenos individualmente; a retroalimentação: comunicação e interação circular provocadora de uma transferência em que os estímulos recebidos são modificados, repassados e novamente recebidos; a eqüifinalidade: objetivo comum existente entre os indivíduos, não importando a informação recebida e sim, a maneira como ela é processada; e a homeostasia familiar: um mecanismo de regulação que busca o equilíbrio com momentos de maior e menor harmonia. Porém, possui uma particularidade que a diferencia de qualquer outro grupo: a estabilidade. Seus vínculos tendem a ser mais duradouros devido a existência de regras que definem e estabilizam as atitudes levando a circunscrição dos comportamentos possíveis e cristalização dos laços importantes para seus membros. Normalmente isto não ocorre em outros grupos por sua necessidade de constante renovação.
Ao homem este contato com seus semelhantes se faz necessário para a formação da qualidade humana essencial e o papel primordial de desenvolvimento da personalidade e de educação para os aspectos emocionais relacionais pertence à família. A educação afetiva refere-se nesse contexto, ao aprendizado fundamental de como nos conduzirmos de maneira mais rica e consequentemente possível de modo a preservar a saúde das relações e melhorar as formas de expressão dos sentimentos. Este tipo de educação é transmitida através de uma sofisticação aprendida na convivência familiar, o estímulo com as pessoas que nos cercam e também com o restante das coisas. Se o ambiente inicial não for propício o sujeito não desenvolverá a disponibilidade para interação e, por sua vez, não estabelecerá vínculos afetivos positivos dando origem aos conflitos. Este processo é absolutamente relacional e somos mais emotivos quando aprimoramos melhores maneiras de acionar a nossa disponibilidade de interação em nível agradável.
Todos os seres humanos instituem com outros a transferência de sentimentos. Entretanto, no meio familiar encontramos um ambiente de domínio sobre o outro com uma obrigatoriedade de relação sufocadora, que não garante a manutenção do desejo de trocar afeto e gera conflitos. Nessa convivência imposta cada elemento ocupa um lugar apropriado e real, assumindo papéis, cuidando de si próprio e intervindo no destino do outro. A maioria das dificuldades, assim como os problemas das associações são o resultado de confusões nos sistemas familiares. Estas confusões ocorrem porque mesmo sem estar consciente e sem o querer, incorporamos em nossa vida o destino de outra pessoa de nossa família. E nesse contato, com todas as dificuldades que o grupo social passa para sobreviver, estabelecem-se as maiores fontes de sofrimento, pois desenvolve-se um processo de determinação de limites que a educação impõe.
Grande parte dos desentendimentos provém das dificuldades de comunicação, uma vez que, quando começamos a compartilhar um espaço com alguém, podem surgir sensações de desconforto generalizado. Não se pode esperar das pessoas a mesma visão de algo apenas porque elas viveram sob as mesmas regras. O que se organiza dentro de nós, como pensamentos e emoções, são muitas vezes complexos e dependem da capacidade comunicativa. Nesse momento inicia-se um processo de incompreensão mútua que leva a críticas ao comportamento do outro, às vezes de maneira danosa, destruindo o espaço individual e comprometendo a saúde que deve existir dentro dos relacionamentos.
Quando estamos irritados não dedicamos a expressão de nossa contrariedade ao objeto causador do transtorno. Isto se deve a norma exacerbada que nem tudo pode ser dito em qualquer lugar, para qualquer pessoa... Direcionamos nossa frustração e revidamos as agressões que sofremos a alguém mais próximo que não poderá romper o vínculo. Está convencionado que estas pessoas não podem quebrar seus laços, tendo que aceitar a transferência de sentimentos experimentados, mesmos os mais terríveis. E caso se ofendam ou magoem, há uma espécie de aceitação tácita, uma permissão por considerar algo que o outro nos dá.
É possível perceber que o amor não garante a boa a convivência, pois este é um acontecimento básico e social. De um ponto de vista mais abrangente, os seres vivos de todas as espécies tendem a viver em grupo, agregando-se sob as formas mais variadas e curiosas, no entanto, apenas o homem possui uma organização “familiar”. Estamos falando de um nível de estruturação que não deriva somente da situação específica de sistema, mas de um relacionamento de um grupo vital estável, com história, regras e sequências comunicativas únicas que constitui-se desde os nossos primeiros momentos de vida, o estruturador de características da vivência em que cada um de nós se atualiza.
Todavia, somos mal educados para uma das mais importantes tarefas humanas: a troca de afeto. Cada um de nós possui um mundo interno em que acontecimentos adquirem um valor. Não é a expressão da verdade eterna, é a nossa verdade. Acontecimentos emocionais que se constroem como experiências pessoais acumuladas ao longo da vida. Esquecemos de ter o cuidado nos nossos contatos do dia-a-dia para que uma fala, um olhar, uma atitude não arrasem ou façam com que uma pessoa sofra profundamente. Essas experiências vão dando qualidades e valor ao que nos acontece a cada momento, numa longa cadeia de ligações que devem desenvolver a responsabilidade e o cuidado com o sentimento do outro no convívio, como se as coisas do afeto fossem impossíveis de ser compreendidas. Este é um processo natural de regulação que acontece involuntariamente e a solução real pode acontecer quando assumirmos a ordem do amor familiar como subjacente a este processo.
Em outras palavras, estamos nos educando para ocupar posições de poder e nos relacionarmos melhor com pessoas externas à organização familiar e nos esquecemos que devemos nos educar antes para a diminuição do sofrimento afetivo presente no convívio com aqueles que são nosso primeiro contato: A Família.
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