
Crianças da geração Alpha
Março, 2018
As transformações na sociedade pós-moderna, principalmente a partir do século XX, geraram profundas mudanças nas relações humanas com as coisas e entre si. O advento da globalização, o desenvolvimento tecnológico, o emergir de novas ideologias, as exigências para adoção de um ritmo frenético e conectado, assim como as pressões oriundas da violência exacerbada afetaram os valores, posturas, princípios e paradigmas.
As circunstâncias que nos rodeiam se alteram e nos alteram. O contexto histórico, político ou social onde os fatos ocorrem, repercutem nos significados subjetivos que as pessoas que vivem esses momentos atribuem para suas experiências, e influenciam suas crenças e atitudes. Deste modo, o mundo cada vez mais diversificado, complexo e virtual devido à cultura de inovações rápidas e constantes demandou modificações nas ideias e condutas adotadas e imprimiu novos modos de viver. Conforme delineia Lipovetsky:
[...] o universo dos objetos, das imagens e da informação, bem como os valores hedonistas, permissivos e psicológicos que estão ligados a ele, geraram simultaneamente uma nova forma de controle dos comportamentos, uma diversificação incomparável dos modos de vida, uma flutuação sistemática da esfera privada, das crenças e dos modos de agir [...] o pós-moderno é uma hipótese global designando a passagem lenta e complexa para um novo tipo de sociedade, de cultura e de indivíduo [...] (2005, p. 60)
As alterações nas formas de ser, pensar e agir consolidadas, também estão presentes nas crianças. Este cenário de amplas transformações no qual estão inseridas permeou, ao longo do tempo, sua maneira de ser e promoveu mudanças nos processos de desenvolvimento, aprendizagem, comunicação e outros. As características peculiares geradas a partir desse processo de interação sugerem a formação de uma nova identidade.
Em seus trabalhos, Mannheim aponta que a ocorrência de acontecimentos históricos que marquem o curso da existência de um grupo é potencializador do desencadeamento de uma nova geração. Os “espaços sociais de experiências conjuntivas de indivíduos da mesma idade-classe” (1982, p.92) configuram um importante elemento no conjunto de fatores que vão além de fatos históricos, sucessão cronológica e tempo na configuração de uma geração.
O ponto mais importante a ser notado é o seguinte: nem toda situação de geração – nem mesmo todo grupo etário – criam novos impulsos coletivos e princípios formativos originais próprios, e adequados à sua situação particular. Quando isso acontece, falaremos de uma realização das potencialidades inerentes a uma situação, e tudo indica que a frequência de tais realizações está estreitamente ligada ao ritmo de mudança social. Como resultado de uma aceleração no ritmo de transformação social e cultural, as atitudes básicas precisam se modificar tão rapidamente que a adaptação à modificação latente e contínua dos padrões tradicionais de experiência, pensamento e expressão deixa de ser possível, fazendo então com que várias fases de novas experiência sejam consolidadas em alguma outra situação, formando um novo impulso claramente distinto e um novo centro de configuração. Falaremos, em tais casos, da formação de um novo estilo de geração ou de uma nova enteléquia de geração (MANNHEIM, 1982, p. 92).
Pertencer a uma mesma faixa etária propicia a oportunidade de testemunhar os mesmos acontecimentos, passar por situações similares e ter um lugar comum. Mas, acima de tudo, assimilar sobre eles uma visão, sensação e interpretação muito próxima uns dos outros, estando, de certa forma, conectados, é o que configura ocupar uma mesma “posição geracional” (WELLER, 2010).
Por vivenciarem experiências semelhantes, serem afetadas por eventos comuns da mesma forma e compartilharem memórias e comportamentos, os nascidos a partir de 2010 são apontados por alguns pesquisadores, como McCrindle (2010) e Furia (2013), como representantes de uma geração distinta das antecedentes, denominada Alpha.
Essas crianças nascem em um mundo conectado em redes e digital, têm maior acesso ao conhecimento humano, maior instrução e uma educação mais ampla e precoce do que as gerações as precedem. Apesar da grande quantidade de informação e dados a que são submetidas, demandando uma necessidade de absorção e processamento como nunca antes, elas demonstram familiaridade com o volume de conhecimento acessível. Sua capacidade no universo virtual e habilidade tecnológica e digital chamam a atenção e impressionam. Elas manuseiam com facilidade aparelhos eletrônicos e apresentam destreza em aplicativos e redes sociais. Respondem com naturalidade à diversidade, pluralidade narrativa e cultural e, integradas ao campo das ideias, demonstram um pensamento associativo, sistêmico e em rede (FURIA, 2013).
Pais, cuidadores e educadores revelam, além de perplexidade e fascínio, dúvidas diante dessas características infantis que consideram inusitadas e singulares. Por não estarem habituados a elas, não sabem muito bem o que fazer, como agir e consideram que a missão de educar está mais complexa. Embora as divergências entre gerações não sejam um fenômeno novo, as questões e contingências, que não estavam presentes até então, tornam a sensação de disparidade bastante intensa. Bauman elucida o que considera diferenciar este momento:
A aceleração do ritmo das mudanças, característica dos tempos modernos e em contraste com os séculos anteriores de interminável reiteração e letárgica mudança, permitiu que as pessoas observassem e tivessem a experiência pessoal de que “as coisas mudam”, que “já não são como costumavam ser”, no decorrer de uma única existência humana. Essa percepção trouxe como consequência o estabelecimento de uma associação (ou mesmo um laço causal) entre as mudanças na condição humana, o afastamento das velhas gerações e a chegada dos mais novos. Estabelecida essa implicação, tornou-se visível e até evidente que (pelo menos desde o início da modernidade e por toda sua duração) as classes de idade que chegavam ao mundo em diferentes etapas do processo de contínua transformação apresentavam uma tendência a diferir profundamente no modo de avaliar as condições de vida que compartilhavam. (2011, p. 23)
Pesquisas que exploram, desvendam e promovem o conhecimento do perfil da geração Alpha, esclarecendo o que, efetivamente, a distingue e diferencia das gerações anteriores, possibilitam a ampliação dos significados e interpretações construídos sobre essas crianças e suscitam a adoção de um novo olhar e novas posturas, promovendo a criação de recursos e estratégias para uma convivência mais tolerante e uma forma de educar mais descomplicada e instrumentalizada.
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